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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Guerra, de novo.

As crianças ensangüentadas são, claramente, civis; os homens mortos quando lançam foguetes, sem dúvida, não são. Mas e os cerca de 40 jovens recrutas da polícia do Hamas em parada que morreram na primeira onda de bombardeios de Israel na Faixa de Gaza?
Os depósitos de armas são, claramente, militares - mas e o Ministério do Interior, atingido em um ataque que matou dois médicos; ou o escritório de troca de moedas, cuja destruição, na semana passada, acabou ferindo um menino que estava no andar superior?

Com o aumento do número de mortos na Faixa de Gaza, surge a delicada questão de quem e o quê pode ser considerado um alvo militar legítimo em um território governado por um grupo que muitos na comunidade internacional consideram uma organização terrorista.

Este é também o grupo que venceu as eleições legislativas palestinas em janeiro de 2006 e, um ano depois, consolidou seu controle à força.

Ou seja, embora esteja por trás de uma campanha de atentados suicidas em Israel e lance foguetes indiscriminadamente para o lado israelense da fronteira, também está encarregado de escolas, hospitais, serviços sanitários e usinas de energia elétrica na Faixa de Gaza.

Leis internacionais

Israel diz que está operando totalmente dentro das leis internacionais, mas organizações de defesa dos direitos humanos temem que os israelenses estejam forçando os termos da legislação.

E, na medida em que as forças em terra entram em choque na densamente povoada Faixa de Gaza, a questão ficará mais premente.

As leis internacionais em manter as baixas entre civis em um nível mínimo são baseadas na distinção entre "combatentes" e "não-combatentes".

Quando Israel lançou sua primeira onda de ataques, o primeiro-ministro Ehud Olmert disse: "Vocês - os cidadãos da Faixa de Gaza - não são nossos inimigos. Hamas, Jihad e as outras organizações terroristas são os seus inimigos, assim como são nossos inimigos."

Mas quando um porta-voz militar israelense diz que "qualquer um afiliado ao Hamas é um alvo legítimo", as coisas ficam complicadas.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha - guardião das Convenções de Genebra em que as leis humanitárias internacionais são baseadas - define um combatente como uma pessoa "diretamente engajada em hostilidades".

Mas o porta-voz das Forças de Defesa Israelenses (IDF, na sigla em inglês), Benjamin Rutland, disse à BBC: "Nossa definição é que qualquer um que esteja envolvido com terrorismo dentro do Hamas é um alvo válido. Isso inclui instituições estritamente militares e outras, políticas, que fornecem apoio logístico e recursos humanos para o braço terrorista."

Definição "aberta"

Philippe Sands, professor de Direito Internacional da University College London, diz que não se recorda de uma democracia ocidental que tenha adotado uma definição tão ampla.

"Uma vez que você amplia a definição de combatente como o IDF aparentemente está fazendo, você começa a incluir indivíduos que só estão envolvidos de maneira indireta ou periférica", afirma. "Ela se torna uma definição aberta, o que mina o propósito das regras a que ela deve se aplicar."

Na verdade, o próprio Hamas teria dito que o fato de que a maioria dos israelenses faz serviço militar justifica ataques a áreas civis.

Os primeiros bombardeios, que tiveram como alvo delegacias na Faixa de Gaza, são um caso-chave nessa questão - especialmente, o ataque que matou pelo menos 40 recrutas em parada.

Analistas dizem que os policiais do Hamas são responsáveis por reprimir dissidentes e remover espiões, assim como lidar com o crime e organizar o trânsito.

Mas o grupo de defesa dos direitos humanos, B'Tselem, que levantou a questão em uma carta ao procurador-geral de Israel, diz que aparentemente os mortos eram treinados em primeiros socorros, direitos humanos e manutenção da ordem pública.

Convenção de Genebra

O IDF diz que tem inteligência de que membros da força policial costumam "fazer bico" em esquadrões de foguetes, mas não deu detalhes sobre locais específicos ou alvos individuais.

O grupo Human Rights Watch (HRW), contudo, alega que mesmo se integrantes da polícia também servem como combatentes do Hamas, eles só podem ser atacados legalmente quando estão participando de atividades militares.

O B'Tselem e o HRW também estão preocupados com ataques ostensivos a instalações civis como universidades, mesquitas e autarquias.

O Protocolo-1 da Convenção de Genebra - citado por Israel, embora não assinado pelo país - diz que, para ser um alvo militar legítimo, um local tem que "dar uma contribuição efetiva à ação militar" e sua destruição ou neutralização também tem que oferecer "uma vantagem militar definitiva".

Israel disse que bombardeou mesquitas porque elas eram usadas para armazenar armas, liberando um vídeo de ataques aéreos que diz mostrar explosões secundárias como prova.

Mas não dá evidências para sua alegação de que laboratórios na Universidade Islâmica, que sofreram pesados bombardeios, tenham sido usados para a pesquisa de armas, ou para suas alegações de que pelo menos três agentes de troca de moeda estivessem envolvidos "na transferência de fundos para atividades terroristas".

Isso porque Israel raramente divulga material de inteligência por temer que a vida de suas fontes seja colocada em risco, segundo Rutland.

Proporcionalidade

Mas, ao atingir os Ministérios de Educação, Interior e Exterior e o prédio do Parlamento, Israel simplesmente argumenta que eles são parte da infra-estrutura do Hamas - e não há diferença entre suas alas política e militar.

"Alegar que todos estes escritórios são alvos legítimos, só porque eles estão afiliados ao Hamas, é legalmente falho e extremamente problemático", diz a diretora do B'Tselem, Jessica Montell.

Outros incidentes despertaram preocupação por estas razões, juntamente com um segundo conceito legal, de proporcionalidade.

O conceito determina que ganhos militares de uma determinada operação devem ser proporcionais às prováveis baixas entre civis ocorridas durante sua implementação.

Fred Abrahams, da Human Rights Watch, afirma: "Mesmo que tenha um alvo legítimo, você não pode simplesmente lançar uma bomba de dez toneladas sobre ele."

Investigação

Questões de proporcionalidade dependem tanto de intenção quanto do número de pessoas mortas e feridas.

Cinco irmãs da família Balousha que dormiam juntas morreram quando, aparentemente, uma mesquita próxima ligada ao Hamas foi bombardeada no campo de refugiados de Jabaliya no segundo dia da operação israelense.

A HRW está pedindo uma investigação. "A mesquita era um alvo legítimo? Nós temos nossas dúvidas", disse Abrahams. "Eles usaram armas que limitariam danos a civis? Nós temos sérias dúvidas."

Neste caso, Rutland disse que o IDF não tinha registro de um alvo naquela área específica naquele horário, e não deu mais explicações para a morte das meninas.

Um outro caso foi o lançamento de uma bomba em um caminhão que Israel disse inicialmente estar carregado de mísseis.

O B'Tselem e o dono do caminhão – que disse que seu filho morreu junto com outras sete pessoas - afirmaram depois que ele estava transportando cilindros de oxigênio. Israel insiste ter informações de que o armazém onde o caminhão foi carregado estocou armas no passado.

Quão boa era a inteligência israelense? Qual era a probabilidade, por exemplo, de que, no momento da decisão, a informação estivesse errada? E os ganhos potenciais superaram as possíveis perdas?

Sands diz que a proporcionalidade é um conceito "muito, muito difícil". "O que é proporcional para uma pessoa pode ser desproporcional para outra", afirmou.

Disparidade

A disparidade dos números da guerra na Faixa de Gaza é gritante - os palestinos dizem que mais de 500 moradores de Gaza morreram em oito dias, em comparação a 18 israelenses vitimados por ataques de foguetes desde 2001.

Mas especialistas afirmam que questões ligadas às intenções das partes como as razões para a guerra, as ações adotadas para proteger - ou expor - civis e as condições no terreno, todas entram em uma equação legal muito mais complicada.

Israel diz que advogados são consultados constantemente em suas operações. As autoridades afirmam que adotam todas as medidas possíveis para minimizar baixas entre civis.

São usadas armas teleguiadas; há telefonemas de alerta antes do bombardeio de edifícios; o IDF diz que já foram abortadas missões porque civis eram vistos como alvo.

E diz que seu inimigo está longe de ser um Exército padrão: "Nós estamos falando de um governo inteiro cuja razão de existir é derrotar Israel", afirmou Rutland. "E tudo com energia direcionada para o ataque de civis israelenses."

Testemunhas dizem, e analistas confirmam, que o Hamas lança foguetes de dentro de áreas povoadas por civis, e todos os lados concordam que o movimento viola de maneira flagrante as leis internacionais ao alvejar civis com seus foguetes.

Mas apesar de descrever o lançamento de foguetes como "um escancarado crime de guerra", Jessica Montell, do B'Tselem, acrescenta: "Eu certamente não esperaria que o meu governo agisse de acordo com o padrão que o Hamas estabeleceu para si mesmo - nós exigimos um padrão mais elevado."

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